O olho é o ovo do verbo*
"Começaram os delírios. Minha casa cercada por palavras assassinas. Chuva de vírgulas nas goteiras do telhado. Reticências atiradas contra as vidraças. Pontos finais molotoves explodindo no chão do quarto. Dois pontos enlouquecidos algemando minhas pernas. A porta veio abaixo com a cabeçada da exclamação e, todos aqueles sujeitos arrastaram-me nu pelas ruas, enquanto das janelas os adjuntos atiravam objetos diretos contra mim. Varias vezes fui ao chão com o peso da interrogação que me fizeram carregar nas costas. Isso quando eu não pisava no rabo de alguma cedilha e tomava uma rasteira. Em praça pública fui julgado e condenado. Pregaram acetos agudos em meus pés e mãos e em minha cabeça enfiaram uma coroa de asteriscos. Durante três semanas fizeram rodas em minha volta, até que meu corpo foi secando e acordei me afogando na poça de suor sobre a cama.
Era domingo. Fazia Sol.
Eu estava vivo e meu espírito ressolava dentro de mim como uma melodia. Lavei o rosto, tomei o café, comi o pão, tirei a roupa do varal, aguei as plantas e sentei na manhã do meu quintal onde comecei a escrever minhas primeiras memórias para a humanidade."
* Texto escrito pelo EXCELENTE Gero Camilo, publicado na revista Bravo nº 115