O amor: segundo Vinicius ll
O sol se pondo foi a única testemunha daquele reencontro. Aquele par de assas, tatuado na pele branca de suas costas, eram inesquecíveis. Ele hesitou por um longo minuto de observação, não poderia acreditar que fosse ela. Não queria acreditar que fosse ela. Tantos anos juntos. Tantos anos depois. Muitas alegrias despercebidas, poucas tristezas consolidadas. A linda chuva de cores do céu baiano cedeu espaço ao escuro de suas lembranças. Ela percebeu que alguém a observava, mas hipnotizada estava pela beleza de suas lembranças. A lenta partida do sol em busca de seu refúgio encontrou nela uma dezena de lembranças inacabadas - das quais ele consta em boa parte. As tristezas derrotam os bons momentos e suas lembranças transitam somente nas promessas não cumpridas. Algumas coisas nunca deveriam ser explicadas. Ele percebe que a explicação é quem rouba a beleza dos bons momentos. Bons momentos são as explicações da vida e de nossas imperfeições. Ele a toca, acariciando sua tatuagem. Ela não olha. Deixa ser tocada. Eles não trocam sequer uma palavra, olhares também não. Os sangues se misturam como que em uma corrente bombeada por um único coração. As estrelas chegam, a lua abre o baú das lembranças partilhadas. Ambos, como que em combinação, vivem os mesmos momentos passados. Sua mão quando busca afastar-se é bruscamente agarrada. Mãos juntas. Cúmplice suor. A cerveja esquenta em seu copo e, ela de nada se preocupa. “O que faço agora”, pergunta ele com voz baixa como aquela que costumava entoar quando cantava a ela antes de dormir. Ela beija-lhe calmamente a mão, passa em seu rosto e em sua boca a estaciona. “O que posso querer a não ser seu beijo”, responde ela. As perguntas: por onde você esteve e o que aconteceu com nós, não foram proferidas. Amaram-se durante horas naquela noite, do dia primeiro do ano de 1987. Olharam-se pouco. Nenhuma promessa. Quando ela tentou dizer que já estava atrasada para ir, ele lentamente levou seu dedo a boca dela e disse: “Não quis marcar compromisso com o amor, para poder nunca me atrasar. Mas, reconheço que estou atrasado para a vida justamente por não ter encontrado meu amor na hora certa”. “Essa é a hora certa”, afirmou rapidamente ela. “Essa é a hora certa” disse calma e lentamente ele. A luz do sol invade o quarto e, junto a ela chegam notas de violão acompanhadas de uma bela voz que canta ao fundo: capoeira que é bom/não cai. E se um dia ele cai/cai bem.
Quem é homem de bem/não trai. O amor que lhe quer/seu bem. Quem diz muito que vai/não vai. Assim como não vai/não vem. Quem de dentro de si não sai. Vai morrer sem amar ninguém...
Quem é homem de bem/não trai. O amor que lhe quer/seu bem. Quem diz muito que vai/não vai. Assim como não vai/não vem. Quem de dentro de si não sai. Vai morrer sem amar ninguém...
1 Comments:
Os dois textos são muito bonitos e bem escritos! Muito legal!
Só cheque neste: O que aconteceu conosco ...
Abraço
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